Maria Vitória sofria de talassemia major, uma doença crônica e grave que acontece quando a medula óssea produz menos glóbulos vermelhos e, consequentemente, não consegue fabricar sangue na frequência necessária. Por isso, ela recebia transfusões de sangue a cada três semanas e tomava remédios diariamente para controlar a quantidade de ferro no corpo.
Depois de procurar mais de 30 médicos em busca de uma solução para a doença da filha, os pais de Maria Vitória - Jênyce Reginato da Cunha e Eduardo da Cunha - decidiram passar pela fertilização in vitro para selecionar um embrião que pudesse ajudar na cura de Maria Vitória.
Na prática, funcionou assim: a fertilização resultou em dez embriões, que tiveram suas células analisadas. Desses, dois eram saudáveis e totalmente compatíveis com a menina. Eles foram implantados no útero de Jênyce, mas apenas um sobreviveu. Foi aí que nasceu Maria Clara, em fevereiro do ano passado.
No parto, os médicos colheram as células do cordão umbilical de Maria Clara. Como a quantidade não era suficiente para o transplante, foi necessário esperar que o bebê completasse 1 ano para coletar um número maior de células da medula ósseas.
Maria Vitória foi internada em meados do mês de março no Hospital Sírio-Libanês para dar início ao condicionamento: recebeu altas doses de quimioterapia para destruir as células da sua medula óssea e deixar o sistema imunológico zerado.
No dia 18, Maria Clara foi submetida à coleta das células da medula óssea. Em seguida, essas células foram infundidas em Maria Vitória: primeiro as do sangue do cordão e, depois, as da medula óssea da irmã.
Espera. Segundo o hematologista Vanderson Rocha, responsável pelo transplante, durante os 15 primeiros dias a medula de Maria Vitória continuava zerada. Essa foi a fase mais crítica, pois o corpo não produzia nenhuma defesa e a menina ainda precisava receber transfusões.
Depois desse período, a medula óssea da criança voltou a fabricar as células e, desde então, ela não precisou mais receber transfusões de sangue. "Ela voltou a produzir células como uma pessoa normal. Ela tem uma medula nova. O resultado é muito bom e podemos considerar que a Maria Vitória está curada", diz Rocha.
Jênyce, a mãe da menina, diz que, se fosse preciso, faria tudo de novo, quantas vezes fosse necessário. "É claro que tiveram momentos difíceis, de incertezas, momentos que ela precisou de cuidados especiais. Mas a Maria Vitória se comportou muito bem, não reclamou de nada e tirou de letra tudo isso", disse.
Jênyce diz que se preocupou com a reação da filha quando seus cabelos começassem a cair por conta dos efeitos colaterais da quimioterapia.
"Eu disse que o remédio que ela estava tomando faria o cabelo dela cair, mas que, assim que nascessem de novo, seriam do jeito que ela quer. Ela disse que quer o cabelo igual ao da Maria Joaquina (personagem da novela Carrossel)", conta.
Quando os fios começaram a cair e incomodar Maria Vitória, ela mesma quis cortar as madeixas. "Pegamos uma tesoura e ela mesma cortou. No dia seguinte, o barbeiro veio e raspou", diz a mãe. Segundo Jênyce, a menina ficou uns dias se achando feia, mas logo mudou de ideia quando ganhou tiaras e lenços. "Agora que o cabelo está nascendo de novo ela está feliz da vida, achando que vai nascer igual ao da Maria Joaquina", diz.
A menina está matriculada no 1.º ano do ensino fundamental, e a professora manda para o hospital as lições para que ela não perca o ano letivo. "Ela é muito dedicada", diz Jênyce.
Riscos. Segundo Rocha, os riscos de complicações pós-transplante existem, mas são muito baixos. "Acontece em menos de 5% dos casos. Ainda assim, o transplante é a melhor opção. A Maria Vitória estava começando a ter problemas no fígado por conta do ferro", afirmou, acrescentando que há cerca de cem casos de transplantes registrados na Europa para curar talassemia, todos com sucesso.
Cláudia Veloso, vice-presidente da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), diz que o resultado desse transplante é uma esperança para a cura e deve encorajar outros pais a procurarem o procedimento. "Existe uma ansiedade dos pais porque para muitos, até então, a cura era impossível." Estima-se que existam pelo menos 500 pessoas com o problema no Brasil.
Fonte: Estadão
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